quinta-feira, novembro 02, 2017

Tatana chifunha nkuma

As coisas repetem-se. Sem querer, eu sou obrigado a acreditar que, na verdade, o mundo é redondo, circular, etc. As coisas acontecem ciclicamente e a razão está aí bem explícita como a luz do dia: “o mundo é redondo”. Eu até poderia acreditar na necessidade de muita coisa se repetir, mas nunca tinha pensado que era tudo que tinha que se repetir, até o nascimento. “Digo-lhe a verdade: ninguém pode ver o reino de Deus, se não nascer de novo” – disse Jesus a Nicodemos, em João 3:3.
Há anos, li um texto que contava a história de um homem que, no tempo da grande fome, ele descobriu uma colmeia de onde extraiu uma grande quantidade de mel. Só que aquele homem era muito “inteligente” como muitos pais que o mundo revela em todas as épocas de fome. 
O que ele fez?
Amigo leitor, eu não me lembro de toda história, mas se eu te contar o pouco que me vem à memória, fartar-te-ás de rir. Claro, podes até não rir, porque a história, pelo menos na parte de que me recordo, é tristinha.
Vamos ao que interessa: esse tal pai, não sei se era pai também, porque, por aquilo que ouvi nas telenovelas, pai é aquele que cria, cuida, ama, responsabiliza-se por tudo o que os filhos necessitam para crescer. O simples facto de alguém gerar crianças, como resultado, se calhar, da satisfação de suas necessidades biológicas, não lhe dá o direito de ser chamado de pai. É verdade, sim. Eu concordo com isso, caro leitor. Não é qualquer um que a gente tem de chamar de pai. Esse alguém deve merecer esse “grau”.
Estou a falar muito, não é? Até parece que não estou interessado em contar essa história. Está bem. Já vou contar. Esse homem, depois de extrair aquela enorme quantidade de mel, depositou-a num grande pote e escondeu-o numa lixeira onde deitavam, sobretudo, as cinzas. É normal lá nas comunidades rurais, onde cada um tem um grande pátio, escolher-se um sítio, nas extremidades do pátio, para depositar cinzas. Foi, então, assim que esse tal senhor achou um lugar oportuno para esconder o seu mel.
Depois de esconder o mel naquele lugar, arranjou uma cana, ou seja, uma mangueira que ele mergulhava no fundo do pote e lhe permitia sugar o mel. Assim, ele chupava o seu mel sozinho, sem dar nem à sua esposa nem aos seus filhos.
Isso de comer sozinho não era o pior. Sabe, meu amigo, o que ele fazia? Para mim, isso já é o cúmulo do absurdo. Dói-me lembrar e até contar-te.

Ele, de acordo com esse texto que eu li, arranjava uns tubérculos silvestres e ervas não nutritivas para alimentar os filhos e esposa. O que me desagradou nessa história não é o facto de ele não dar o seu mel à sua família, mas sim o seguinte: diz a história que, quando aquele homem sugava o seu mel, ele chamava os filhos e a sua esposa que o rodeavam e cantavam, dançavam, batendo palmas: “tatana chifunha nkuma, tatana chifunha nkuma”. Quer dizer: “o pai come cinza, o pai come cinza”. Não me pergunta que língua é essa porque não sei. O que interessa é que o termo já está traduzido na língua que tu e eu entendemos.
Curiosa e desconfiada com o facto de o marido se manter em boa forma e a engordar, ela quis tirar as dúvidas. Quis saber o que se escondia por detrás daquela cinza nutritiva. Mas também já viste, meu amigo, o que são estas nossas mulheres, não é? Sempre desconfiadas! Não sossegam enquanto não desvendarem todos os nossos segredos. Mas é assim, diz-se por aí que quem procura acha. Aquela mulher também achou. Se não lhe agradou o que ela achou, eu já não tenho culpa. Quem mandou ser curiosa, não é?
O que ela achou? Claro, um grande pote repleto de mel que saciava a fome do seu homem, enquanto ela e seus filhos se alimentavam de ervas e tubérculos silvestres. Isto se faz, meu prezado leitor? Já percebeste o motivo que até me levou a não querer contar, não é? Não é ruim esta história? Para mim, ela é, mas muito ruim.
O texto continuava dizendo: essa mulher tirou dali o pote e foi esconder noutro lugar. O seu marido chegou da lida diária e convocou a habitual sessão de canto, dança e aplausos que o ajudavam a ingerir e digerir a “cinza”. Só que naquele dia, diz o texto que li, aquele homem, com a cana de extrair o mel no seu lugar habitual, ele não conseguia sorver o mel, nada mesmo. Aliás, pode até ter sorvido um pouco de cinza. Percebeu que algo estava errado com o seu pote meloso, sobretudo pela forma como a mulher estava alegre. Era ela quem gritava mais naquele dia. Até uma nova coreografia ela exibiu.
Coitadinho do meu amigo, não teve a quem cobrar satisfação acerca do que sucedera com o seu mel e, o coitado, teve que interromper a sessão, inventando uma desculpa que o permitisse voltar a comer o que os outros comiam.
O que aconteceu depois? Já não me lembro, apenas sei que pelo menos esta parte da história provoca riso, esta parte animou muito, não é verdade? Desta parte eu gostei, meu caro amigo.
Agora, por que razão eu te queimei tanto tempo a contar-te uma história tão desagradável como esta?
É assim, no princípio desta nossa conversa, eu te disse que tudo se repetia, lembras-te? Ok, ainda bem. A verdade é que, enquanto houver fome e outras crises neste mundo redondo, haverá pais comendo mel e fingindo estarem a comer cinza. De qualquer forma, eu sinto que a história se manifesta em mim, só que não sei se como pai, reunindo os meus filhos para me aplaudirem enquanto sorvo o meu mel, ou como filho que, na companhia de muitos meus irmãos, canto em volta do meu pai o “o pai com cinzas”.
Pronto, já terminei. Não sei se gostaste da história, mas o importante é que já desabafei e fica sabendo, meu amigo, que enquanto houver fome e outras crises e enquanto houver homens fazendo filhos em tempos críticos, o “tatana chifunha nkuma” prevalecerá. Isso aconteceu ontem, acontece hoje e acontecerá amanhã, claro, se o amanhã existir!

Retirado daqui mas este conto já vinha nos primeiros livros de português da sexta-classe do pós-independência

3 comentários:

Anónimo disse...

Era crítica contra o governo

Anónimo disse...

Gostei♥️.
Tatana- pai
Chifunha- sorver
Nkuma- cinza

Anónimo disse...

Esse texto fez-me receber muitas chapadas na 5ª classe.mas valeu.